Fumar

Fumar é um dos vícios mais comuns na sociedade actual, e ao mesmo tempo é um vício altamente prejudicial (para a saúde do fumador, mas não só). Contrariamente ao que muitos pensam, é relativamente fácil deixar de fumar, se seguir o método correcto. O método que eu recomendo foi proposto por Allen Carr, mas eu acrescento mais alguns passos, que considero importantes para a saúde do ex-fumador a longo prazo.

Descrevo em seguida os elementos principais do método Carr, mas saliento que este resumo não dispensa a leitura do livro "O método simples para deixar de fumar" (editado em português pela Dom Quixote).

  1. O fumo de tabaco contém, entre outras substâncias, uma droga chamada nicotina. A nicotina é um veneno potente : o conteúdo em nicotina dum único cigarro, se for injectado directamente no fluxo sanguíneo, mata a pessoa em minutos. Para além de ser um veneno, a nicotina é uma droga de actuação rápida. Ao fumar, a nicotina penetra em segundos (através dos pulmões) no corpo todo e actua sobre o sistema nervoso. Quando o cigarro acaba, os níveis de nicotina no corpo começam imediatamente a baixar. Cerca de 30 minutos depois, o fumador começa a sentir os efeitos da ressaca. Esses efeitos são subtis; não há dores. Consistem num estado de inquietação e numa necessidade indefinida parecida com a fome. Esses efeitos tornam-se imperceptíveis depois de 24 horas e desaparecem por completo em duas ou três semanas.
  2. É completamente falso que fumar seja agradável ou aprazível. O sabor é mau, o cheiro é péssimo; as pessoas que começam a fumar fazem esforços para se habituarem a essas más sensações. Porque é que o fazem ? Isso é outra pergunta, ver o parágrafo 4. Também é falso que fumar acalma, ou que ajuda à concentração mental. A verdade é que a nicotina provoca, através da ressaca, um mau estar que implica nervosismo. Cada nova dose alivia temporariamente esse mau estar, só para o provocar a seguir através de nova ressaca. É um pouco como usar de propósito sapatos demasiado apertados só para no fim do dia termos o "prazer" de os tirar e aliviar as dores.
  3. É completamente falso que fumar seja apenas um hábito, como estalar os dedos ou coçar a nuca. Uma pessoa que tenha um ferimento nos dedos consegue parar de estalá-los ou de coçar a nuca durante uma semana ou duas sem sofrimento. Mas, se tirarem os cigarros a um fumador durante três dias, verão como ele sofre. Fumar não é um hábito, é dependência duma substância chamada nicotina, parecida com a dependência doutras drogas (heroína, álcool, etc). O mesmo aplica-se ao consumo de qualquer produto que contenha nicotina (pastilhas, pensos, etc).
  4. Porque é que as pessoas começam a fumar ? Por causa da influência doutros fumadores e da manipulação mental. Vemos fumar pessoas que conhecemos, pessoas inteligentes, racionais, e pensamos que deve haver aí algum prazer, senão eles não fumariam. Quando um adolescente vê no cinema que o último desejo dum condenado a morte costuma ser um cigarro, é levado a acreditar que o cigarro dá um prazer supremo. Ou, depois duma cena de sexo, o homem costuma fazer o quê ? Acender um cigarro. São clichés mentais. Para piorar as coisas, os cigarros sabem tão mal no início que a pessoa acha que será fácil parar. Só que depois de alguns cigarros a dependência da droga já está instalada.
  5. Resumindo os pontos anteriores, fumar não traz nada: nem prazer, nem calma, nem concentração. Aliás, a nicotina tira isso tudo, só para o devolver momentaneamente nos curtos momentos em que a pessoa está a inspirar fumos tóxicos directamente para os seus pulmões. Fumar só traz prejuízos: para a saúde do fumador em primeiro lugar, para a saúde dos próximos em segundo lugar, para o bolso do fumador e da sua família em terceiro lugar.
  6. Depois de o fumador compreender os pontos acima (não é preciso acreditar nada, analise com olho crítico cada afirmação, e sobretudo leia o livro), será muito fácil deixar de fumar. Escolha simplesmente as vantagens do não fumador em detrimento das desvantagens do fumador. Não tem nada a perder (veja o ponto 5), tem tudo a ganhar. Depois de ter lido e compreendido todos os argumentos, apague o cigarro que está a fumar nesse momento, deite fora todos os cigarros que ainda possui, e celebre o fim da escravatura, goze finalmente a liberdade. Pode dar um berro de alegria, uma nova etapa da sua vida está a começar, uma etapa com muito mais qualidade de vida, incomparavelmente mais.
  7. Poderá sentir alguns simptomas da ressaca química durante uma semana ou duas. Esses efeitos são tão leves (ver o parágrafo 1) que será muito fácil ignorá-los. Não se deixe cair na armadilha da ressaca psicológica. Muitos fumadores estão tão convencidos que parar de fumar implica um sofrimento atroz, que provocam em si próprios esse sofrimento através de autosugestão. Se não se deixar iludir por essa armadilha, parar de fumar não só não implicará nenhum sofrimento, mas será um período de incrível alegria: a alegria de viver livremente, sem o peso do vício. Não faça o erro de invejar os outros fumadores; deve sentir pena deles.
Eu considero o método Carr (acima resumido) como sendo extremamente eficaz e recomendo-o vivamente a quem pretende parar de fumar. Tenho um exemplo na minha família : o meu pai fumou durante 30 anos, o número de cigarros variava entre 20 e 50 por dia. Tentou várias vezes parar, sem sucesso; fiquei extremamente surpreendido quando me disse que, depois de ter lido o livro de A. Carr, deixou de fumar dum dia para o outro, sem esforço.

Contudo, existe no método Carr um elemento com o qual eu não concordo. Consequentemente, aconselho algumas medidas "extra", que considero muito importantes para a saúde do ex-fumador a longo prazo.

A. Carr afirma que a tentação de fumar deve-se meramente ao efeito de ressaca da nicotina, ou então à manipulação mental do meio ambiente. Eu não concordo. Por exemplo, eu próprio fumei no passado; fumava muito pouco (tipo um cigarro por dia). Já não fumo há mais de dez anos, portanto é impossível sofrer de ressaca química. Também não me deixo influenciar pelo meio (cinema, televisão, amigos), pelo que não sou sujeito (acho eu) à manipulação mental. E contudo, de vez em quando, em certas alturas da vida, sinto a necessidade de acender um cigarro e de inspirar uma vez ou duas o fumo de tabaco. Não sou o único. Encontrei várias pessoas que, tal como eu, já não fumam há anos e que, de vez em quando, sentem esta necessidade de inspirar um pouco de fumo de tabaco. Um amigo meu foi até mais específico, dizendo "Observei que isso acontece-me em duas circunstâncias: quando estou a sentir-me muito bem, ou quando estou nervoso, tenso." Depois de ele me ter dito isso, observei-me com atenção e concluí que acontece o mesmo comigo : quando estou muito bem, muito calmo, ou quando estou muito mal disposto, sinto essa necessidade de fumar.

Demorei anos a compreender o fenómeno acima descrito. Acho que os livros de Eckhart Tolle e da Alexandra Solnado foram fundamentais para essa compreensão. Tentarei no que se segue expor a explicação que encontrei. É bastante subtil.

Nós somos seres de energia que habitamos um corpo de carne e ossos. O nosso corpo, para estar equilibrado e saudável, precisa de energia espiritual. Se não lhe dermos amor, se não lhe dermos atenção, adoece. A maior parte das pessoas não dão atenção ao seu próprio corpo, estão permanentemente com pensamentos dirigidos a outros assuntos, longe do momento presente. Faltam momentos de quietude, de reflexão, momentos em que sintam as sensações do seu corpo, os sinais que este envia, momentos em que dêm atenção e amor a si próprios, e ao seu corpo. Os fumadores têm uma vantagem (é aqui que eu discordo de A. Carr) : têm momentos desses, em que ficam sozinhos com eles próprios, focados na sua própria respiração. Atenção, não estou a dizer que fumar é bom; fumar é um vício extremamente prejudicial. Estou a dizer que, ao deixar de fumar, a pessoa deve tentar não descartar estes momentos de quietude, de estar ancorado no presente.

O meu conselho, portanto, é o seguinte. Faça todos os passos recomendados no livro de A. Carr, mas não se esqueça: quando for um não-fumador (ou um ex-fumador, mais precisamente), reserve uma altura do dia (ou, pelo menos, de dois em dois dias) em que fica quieto, silencioso, relaxado, a sentir o que o seu corpo tem para lhe dizer, a enviar-lhe amor e carinho. Sinta sobretudo aquela luz no interior do seu peito, aquela centelha divina que é a essência da sua alma. Por outras palavras : faça meditação. E, já agora, leia um (ou vários) dos livros de Eckhart Tolle ou da Alexandra Solnado, para compreender melhor a linguagem que eu uso.

Conheço casos de fumadores que deixaram de o ser dum dia para o outro, e que pouco tempo depois adoeceram gravemente, ou então caíram nas garras doutros vícios (como o álcool). Tenho fortes razões para crer que estes casos aconteceram porque as respectivas pessoas deixaram-se embebedar pela alegria de terem escapado à escravatura do tabaco e desprezaram esses momentos de quietude e comunhão com o seu corpo e com a sua essência.

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